EUTANASIA

Ergue-te daí, velho! ergue essa fronte onde o passado afundou suas rugas como o vendaval no
Oceano, onde a morte assombrou sua palidez como na face do cadáver, onde o simoun do
tempo ressicou os anéis louros do mancebo nas cãs alvacentas de ancião?
Por que tão lívido, ó monge taciturno, debruças a cabeça macilenta no peito que é murcho, onde
mal bate o coração sobre a cogula negra do asceta?
Escuta: a lua ergueu-se hoje mais prateada nos céus cor-de-rosa do verão, as montanhas se
azulam no crepuscular da tarde e o mar cintila seu manto azul palhetado de aljôfares. A hora da
tarde é bela, quem aí na vida lhe não sagrou uma lágrima de saudade?
Tens os olhares turvos, luzem-te baços os olhos negros nas pálpebras roxas e o beijo frio da
doença te azulou nos lábios a tinta do moribundo. E por que te abismas em fantasias profundas,
sentado à borda de um fosso aberto, sentado na pedra de um túmulo?
Por que pensá-la... a noite dos mortos, fria e trevosa como os ventos de inverno? Por que antes
não banhas tua fronte nas virações da infância, nos sonhos de moço? Sob essa estamenha não
arfa um coração que palpitara outrora por uns olhos gázeos de mulher?
Sonha!... sonha antes no passado, no passado belo e doirado em seu dossel de escarlate, em seus
mares azuis, em suas luas límpidas e suas estrelas românticas.
O velho ergueu a cabeça. Era uma fronte larga e calva, umas faces contraídas e amarelentas, uns
lábios secos, gretados, em que sobreaguava amargo sorriso, uns olhares onde a febre tresnoitava
suas insônias...
E quem to disse - que a morte é a noite escura e fria, o leito de terra úmida, a podridão e o lodo?
Quem to disse - que a morte não era mais bela que as flores sem cheiro da infância, que os
perfumes peregrinos e sem flores da adolescência? Quem to disse - que a vida não é uma
mentira? - que a morte não é o leito das trêmulas venturas?
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