ALVARES DE AZEVEDO - BIOGRAFIA

Manuel Antônio Álvares de Azevedo (São Paulo, 12 de setembro de 1831 - Rio de Janeiro, 25 de abril de 1852) foi um escritor da segunda geração romântica (Ultra-Romântica, Byroniana ou Mal-do-século), contista, dramaturgo, poeta e ensaísta brasileiro, autor de Noite na Taverna.

Filho de Inácio Manuel Álvares de Azevedo e Maria Luísa Mota Azevedo, passou a infância no Rio de Janeiro, onde iniciou seus estudos. Voltou a São Paulo (1847) para estudar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde desde logo ganhou fama por brilhantes e precoces produções literárias. Destaca-se pela facilidade de aprender línguas e pelo espírito jovial e sentimental.

Durante o curso de Direito, traduz o quinto ato de Otelo, de Shakespeare; traduz Parisina, de Lord Byron; funda a revista da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano (1849); faz parte da Sociedade Epicureia; inicia o poema épico O Conde Lopo, do qual só restaram fragmentos.

Não chegou a concluir o curso, pois adoeceu de tuberculose. Porém, o que deu fim real a sua vida foi um tumor na fossa ilíaca que piorou depois de sua queda de cavalo, aos 20 anos. A sua obra compreende: Poesias diversas, Poema do Frade, o drama Macário, o romance O Livro de Fra Gondicário, Noite na Taverna, Cartas, vários Ensaios (Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla), e a sua principal obra Lira dos vinte anos (inicialmente planejada para ser publicada num projeto - As Três Liras - em conjunto com Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães). É patrono da cadeira 2 da Academia Brasileira de Letras.

Atualmente tem suscitado alguns estudos acadêmicos, dos quais sublinham-se "O Belo e o Disforme", de Cilaine Alves Cunha (EDUSP, 2000), e "Entusiasmo indianista e ironia byroniana" (Tese de Doutorado, USP, 2000); "O poeta leitor. Um estudo das epígrafes ugoanas em Álvares de Azevedo", de Maria C. R. Alves (Dissertação de Mestrado, USP, 1999).

Suas principais influências são: Lord Byron, François-René de Chateaubriand, mas principalmente Alfred de Musset.

Um aspecto característico de sua obra e que tem estimulado mais discussão, diz respeito a sua poética, que ele mesmo definiu como uma "binomia", que consiste em aproximar extremos, numa atitude tipicamente romântica. É importante salientar o prefácio à segunda parte da Lira dos Vinte Anos, um dos pontos críticos de sua obra e na qual define toda a sua poética.

É o primeiro a incorporar o cotidiano na poesia no Brasil, com o poemas Idéias íntimas, da segunda parte da Lira.

Figura na antologia do cancioneiro nacional. E foi muito lido até as duas primeiras décadas do século XX, com constantes reedições de sua poesia e antologias. As últimas encenações de seu drama Macário, foram em 1994 e 2001.


FONTE: SITE DA WIKIPÉDIA (pt . wikipedia . org)

ALVARES DE AZEVEDO - CRONOLOGIA

CRONOLOGIA

* 1831, 12 de setembro - Nascimento em São Paulo, na esquina da R. da Feira com a R. Cruz Preta, atuais Deputado Feijó e Quintino Bocaiuva.
* 1831 - Transfere-se para o Rio de Janeiro.
* 1835 - Morre a 26 de junho seu irmão mais novo, Inácio Manuel, em Niterói, deixando o futuro poeta profundamente abalado.
* 1840 - É matriculado no Colégio Stoll, em Botafogo. Seu desempenho rende elogios do proprietário do colégio, o Dr. Stoll: "Ele reúne, o que é muito raro, a maior inocência de costumes à mais vasta capacidade intelectual que já encontrei na América num menino da sua idade".
* 1844 - Transfere-se para São Paulo, após estudos de francês, inglês e latim volta para o Rio no fim do ano.
* 1845 - Matricula-se no 5º ano do internato do Colégio Pedro II, no Rio, onde muito sofreu, devido ao gênio folgazão, que o levava a caricaturar colegas e professores.
* 1846 - Cursa o 6ª ano no mesmo colégio, tendo como professor Domingos José Gonçalves de Magalhães.
* 1847 - Recebe, a 5 de dezembro, o grau de bacharel em Letras.
* 1848 - Ingresso, a 1º de março na Faculdade de Direito de São Paulo, onde conhece, entre outros, José de Alencar e Bernardo Guimarães.
* 1849 - Matricula-se no 2º ano. Pronuncia um discurso a 11 de agosto, na sessão comemorativa do aniversário da criação dos cursos jurídicos no Brasil. Passa as férias no Rio, com constantes pensamentos de morte.
* 1850 - Escreve "um romance de 200 e tantas páginas, dois poemas, um em 5 e outro em 2 cantos, ensaios, fragmento de poema em linguagem muito antiga" (hoje perdido). A 9 de maio, profere o discurso inaugural da sociedade "Ensaio Filosófico". De volta a São Paulo, matricula-se no 3º ano. Em setembro, suicida-se, por amor, o quintanista Feliciano Coelho Duarte, o poeta faz, a 12 do mesmo mês, o discurso de adeus.
* 1851 - Cursa o 4º ano. Em 15 de setembro, morre João Batista da Silva Pereira. Passa as férias em Itaboraí, na fazenda do avô. Pressente a morte e diz que não vai voltar a São Paulo.
* 1852, 25 de abril - Após complicações advindas de uma queda de cavalo, falece, às 17 horas no Rio de Janeiro. É enterrado no dia seguinte. Hoje está sepultado no Cemitério São João Batista, jazigo 12A, no Rio de Janeiro.

OBRA

* 1853 Poesias de Manuel António Álvares de Azevedo, Lira dos Vinte Anos (única obra preparada para publicação pelo autor) e Poesias diversas;
* 1855 Obras de Manuel António Álvares de Azevedo, primeira publicação da sua prosa (Noite na Taverna);
* 1862 Obras de Manuel António Álvares de Azevedo, 2ª e 3ª edições, primeira aparição do Poema do Frade e 3ª parte da Lira.
* 1866 O Conde Lopo, poema inédito.

Merece um Destaque Especial a "Lira dos Vinte Anos", composta de diversos poemas. A Lira é dividida em três partes, sendo a 1ª e a 3ª da Face Ariel e a 2ª da Face Caliban. A Face Ariel mostra um Álvares de Azevedo ingênuo, casto e inocente. Já a Face Caliban apresenta poemas irônicos e sarcásticos.


FONTE: SITE DA WIKIPÉDIA (pt . wikipedia . org)

LELIA

Passou talvez ao alvejar da lua,
Como incerta visão na praia fria...
Mas o vento do mar não escutou-lhe
Uma voz a seu Deus!...ela não cria!

Uma noite, aos murmúrios do piano
Pálida misturou um canto aéreo...
Parecia de amor tremer-lhe a vida
Revelando nos lábios um mistério!

Porém, quando expirou a voz nos lábios,
Ergueu sem pranto a fronte descorada,
Pousou a fria mão no seio imóvel,
Sentou-se no divã... sempre gelada!

Passou talvez do cemitério à sombra
Mas nunca numa cruz deixou seu ramo,
Ninguém se lembra de lhe ter ouvido
Numa febre de amor dizer: "eu amo!"

Não chora por ninguém... e quando, à noite,
Lhe beija o sono as pálpebras sombrias
Não procura seu anjo à cabeceira
E não tem orações, mas ironias!

Nunca na terra uma alma de poeta,
Chorosa, palpitante e gemebunda
Achou nessa mulher um hino d'alma
E uma flor para a fronte moribunda.

Lira sem cordas não vibrou d'enlevo,
As notas puras da paixão ignora,
Não teve nunca n'alma adormecida
O fogo que inebria e que devora!

Descrê. Derrama fel em cada riso,
Alma estéril não sonha uma utopia...
Anjo maldito salpicou veneno
Nos lábios que tressuam de ironia.

É formosa contudo. Há dessa imagem
No silêncio da estátua alabastrina
Como um anjo perdido que ressumbra
Nos olhos negros da mulher divina.

Há nesse ardente olhar que gela e vibra,
Na voz que faz tremer e que apaixona
O gênio de Satã que transverbera,
E o langor pensativo da Madona!

É formosa, meu Deus! Desde que a vi
Na minh'alma suspira a sombra dela...
E sinto que podia nesta vida
Num seu lânguido olhar morrer por ela.

POR MIM

POR MIM?

Teus negros olhos uma vez fitando
Senti que luz mais branda os acendia,
Pálida de langor, eu vi, te olhando,
Mulher do meu amor, meu serafim,
Esse amor que em teus olhos refletia...
Talvez! - era por mim?

Pendeste, suspirando, a face pura,
Morreu nos lábios teus um ai perdido...
Tão ébrio de paixão e de ventura!
Mulher de meu amor, meu serafim,
Por quem era o suspiro amortecido?
Suspiravas por mim?...

Mas... eu sei!... ai de mim? Eu vi na dança
Um olhar que em teus olhos se fitava...
Ouvi outro suspiro... d'esperança!
Mulher do meu amor, meu serafim,
Teu olhar, teu suspiro que matava...
Oh! não eram por mim.

PENSAMENTOS DELA

Talvez, à noite, quando a hora finda
Em que eu vivo de tua formosura,
Vendo em teus olhos... nessa face linda
A sombra de meu anjo da ventura,
Tu sorrias de mim porque não ouso
Leve turbar teu virginal repouso,
A murmurar ternura.

Eu sei. Entre minh'alma e tua aurora
Murmura meu gelado coração.
Meu enredo morreu. Sou triste agora,
Estrela morta em noite de verão!
Prefiro amar-te bela no segredo!
Se foras minha tu verias cedo
Morrer tua ilusão!

Eu não sou o ideal, alma celeste,
Vida pura de lábios recendentes,
Que teu imaginar de encantos veste
E sonhas nos teus seios inocentes!...
Flor que vives de aromas e luar,
Oh! nunca possas ler do meu penar
As páginas ardentes!

Se em cânticos de amor a minha fronte
Engrinaldo por ti, amor cantando,
Com as rosas que amava Anacreonte,
É que alma dormida, palpitando...
No raio de teus olhos se ilumina,
Em ti respira inspiração divina
E ela sonha cantando!

Não a acordes contudo. A vida nela
Como a ave no mar suspira e cai...
Às vezes, teu alento de donzela
E de teus lábios o morrer de um ai,
Tua imagem de fada, num instante
Estremecem-na, embalam-na expirante
E lhe dizem: "sonhai!"

Mas quando o teu amante fosse esposo
E tu, sequiosa e lânguida de amor,
O embalasses ao seio voluptuoso
E o beijasses dos lábios no calor,
Quando tremesses mais, não te doera
Sentir que nesse peito que vivera
Murchou a vida em flor?

MALVA-MAÇÃ

MALVA-MAÇÃ

De teus seios tão mimosos
Dá que eu goze o talismã!
Dá que ali repouse a fronte
Cheia de amoroso afã!
E louco nele respire
A tua malva-maçã!

Dá-me essa folha cheirosa
Que treme no seio teu!
Dá-me a folha... hei de beijá-la
Sedenta no lábio meu!
Não vês que o calor do seio
Tua malva emurcheceu?...

A pobrezinha em teu colo
Tantos amores gozou,
Viveu em tanto perfume
Que de enlevos expirou!
Quem pudera no teu seio
Morrer como ela murchou!

Teu cabelo me inebria,
Teu ardente olhar seduz,
A flor de teus olhos negros
De tu'alma raia à luz...
E sinto nos lábios teus
Fogo do céu que transluz!

O teu seio que estremeceme
Enlanguesce-me de gozo:
Há um quê de tão suave
No colo voluptuoso...
Que num trêmulo delíquio
Faz-me sonhar venturoso!

Descansar nesses teus braços
Fora angélica ventura...
Fora morrer... nos teus lábios
Aspirar tu'alma pura!
Fora ser Deus dar-te um beijo
Na divina formosura!

Mas o que eu peço, donzela,
Meus amores, não é tanto!
Basta-me a flor do seio
Para que eu viva no encanto
E em noites enamoradas
Eu verta amoroso pranto!

Oh! virgem dos meus amores,
Dá-me essa folha singela!
Quero sentir teu perfume
Nos doces aromas dela...
E nessa malva-maçã
Sonhar teu seio, donzela!

Uma folha assim perdida
De um seio virgem no afã
Acorda ignotas doçuras
Com divino talismã!
Dá-me do seio esta folha
A tua malva-maçã!

Quero apertá-la a meu peito
E beijá-la com ternura...
Dormir com ela nos lábios
Desse aroma na frescura...
Beijando-a a sonhar contigo
E desmaiar de ventura!

A folha que tens no seio
De joelhos pedirei...
Se posso viver sem ela
Não o creio! bem o sei...
Dá-ma pelo amor de Deus,
Que sem ela morrerei!...

Pelas estrelas da noite,
Pelas brisas da manhã,
Por teus amores mais puros,
Pelo amor de tua irmã,
Dá-me essa folha cheirosa...
- A tua malva-maçã!

MINHA MUSA

Minha musa é a lembrança
Dos sonhos em que eu vivi,
É de uns lábios a esperança
E a saudade que eu nutri!
É a crença que alentei,
As luas belas que amei
E os olhos por quem morri!

Os meus cantos de saudade
São amores que eu chorei,
São lírios da mocidade
Que murcham porque te amei!
As minhas notas ardentes
São as lágrimas dementes
Que em teu seio derramei!

Do meu outono os desfolhos,
Os astros do teu verão,
A languidez de teus olhos
Inspiram minha canção...
Sou poeta porque és bela,
Tenho em teus olhos, donzela,
A musa do coração!

Se na lira voluptuosa
Entre as fibras que estalei
Um dia atei uma rosa
Cujo aroma respirei...
Foi nas noites de ventura,
Quando em tua formosura
Meus lábios embriaguei!

E se tu queres, donzela,
Sentir minh'alma vibrar,
Solta essa trança tão bela,
Quero nela suspirar!
E dá repousar-me teu seio...
Ouvirás no devaneio
A minha lira cantar!

SEIO DE VIRGEM

Quand on te voit, il vient à maints
Une envie dedans tes mains
De te tâter, de te tenir...
CLÉMENT MAROT

O que sonho noite e dia,
E à alma traz-me poesia
E me torna a vida bela...
O que num brando roçar
Faz meu peito se agitar,
É o teu seio, donzela!

Oh! quem pintara o cetim
Desses limões de marfim,
Os leves cerúleos veios
Na brancura deslumbrante
E o tremido de teus seios?

Quando os vejo... de paixão
Sinto pruridos na mão
De os apalpar e conter...
Sorriste do meu desejo?
Loucura! bastava um beijo
Para neles se morrer!

Minhas ternuras, donzela,
Voltei-as à forma bela
Daqueles frutos de neve...
Ai!... duas cândidas flores
Que o pressentir dos amores
Faz palpitarem de leve.

Mimosos seios, mimosos,
Que dizem voluptuosos:
"Amai, poetas, amai!
Que misteriosas venturas
Dormem nessas rosas puras
E se acordarão num ai!"

Que lírio, que nívea rosa,
Ou camélia cetinosa
Tem uma brancura assim?
Que flor da terra ou do céu,
Que valha do seio teu
Esse morango ou rubim?

Quantos encantos sonhados
Sinto estremecer velados
Por teu cândido vestido!
Sem ver teu seio, donzela,
Suas delícias revela
O poeta embevecido!

Donzela, feliz do amante
que teu seio palpitante
Seio d'esposa fizer!
Que dessa forma tão pura
Fizer com mais formosura
Seio de bela mulher!

Feliz de mim... porém não!...
Repouse teu coração
Da pureza no rosal!
Tenho no peito um aroma
Que valha a rosa que assoma
No teu seio virginal?...

PALIDA IMAGEM

- J'ai cru que j'oublierais; mais j'avais mal sondé
Les abîmes du coeur que remplit un seul rêve:
Le souvenir est là, le souvenir se lève
Flot toujours renaissant et toujours débordé.
TURQUÉTY

No delírio da ardente mocidade
Por tua imagem pálida vivi!
A flor do coração no amor dos anjos
Orvalhei-a por ti!

O expirar de teu canto lamentoso
Sobre teus lábios que o palor cobria,
Minhas noites de lágrimas ardentes
E de sonhos enchia!
Foi por ti que eu pensei que a vida inteira
Não valia uma lágrima... sequer,
Senão num beijo trêmulo de noite...
Num olhar de mulher!
Mesmo nas horas de um amor insano,
Quando em meus braços outro seio ardia,
A tua imagem pálida passando
A minh'alma perdia.

Sempre e sempre teu rosto! as negras tranças,
Tua alma nos teus olhos se expandindo!
E o colo de cetim que pulsa e geme
E teus lábios sorrindo!

Nas longas horas do sonhar da noite
No teu peito eu sonhava que dormia;
Pousa em meu coração a mão de neve..
Treme... como tremia.

Como palpita agora se afogando
Na morna languidez do teu olhar...
Assim viveu e morrerá sonhando
Em teus seios amar!

Se a vida é lírio que a paixão desflora,
Meu lírio virginal eu conservei...
Somente no passado tive sonhos
E outrora nunca amei!

Foi por ti que na ardente mocidade
Por uma imagem pálida vivi!
E a flor do coração no amor dos anjos
Orvalhei... só por ti!

NAMORO A CAVALO

Eu moro em Catumbi: mas a desgraça,
Que rege minha vida maldada,
Pôs lá no fim da rua do Catete
A minha Dulcinéia namorada.

Alugo três mil réis) por uma tarde
Um cavalo de trote que esparrela!)
Só para erguer meus olhos suspirando
A minha namorada na janela...

Todo o meu ordenado vai-se em flores
E em lindas folhas de papel bordado...
Onde eu escrevo trêmulo, amoroso,
Algum verso bonito... mas furtado.

Morro pela menina, junto dela
Nem ouso suspirar de acanhamento...
Se ela quisesse eu acabava a história
Como toda a comédia - em casamento...

Ontem tinha chovido... Que desgraça!
Eu ia a trote inglês ardendo em chama,
Mas lá vai senão quando... uma carroça
Minhas roupas tafuis encheu de lama...

Eu não desanimei. Se Dom Quixote
No Rocinante erguendo a larga espada
Nunca voltou de medo, eu, mais valente,
Fui mesmo sujo ver a namorada...

Mas eis que no passar pelo sobrado,
Onde habita nas lojas minha bela,
Por ver-me tão lodoso ela irritada
Bateu-me sobre as ventas a janela...

O cavalo ignorante de namoro,
Entre dentes tomou a bofetada,
Arrepia-se, pula e dá-me um tombo
Com pernas para o ar, sobre a calçada...

Dei ao diabo os namoros. Escovado
Meu chapéu que sofrera no pagode...
Dei de pernas corrido e cabisbaixo
E berrando de raiva como um bode.

Circunstância agravante. A calça inglesa
Rasgou-se no cair de meio a meio,
O sangue pelas ventas me corria
Em paga do amoroso devaneio!...

RELOGIOS E BEIJOS

- TRADUZIDO DE HENRIQUE HEINE -

Quem os relógios inventou? Decerto
Algum homem sombrio e friorento:
Numa noite de inverno, tristemente
Sentado na lareira ele cismava,
Ouvindo os ratos a roer na alcova
E o palpitar monótono do pulso.

Quem o beijo inventou? Foi lábio ardente,
Foi boca venturosa, que vivia
Sem um cuidado mais que dar beijinhos...
Era no mês de maio. As flores cândidas
A mil abriam sobre a terra verde,
O sol brilhou mais vivo em céu d'esmalte
E cantaram mais doce os passarinhos.

DESANIMO

Estou agora triste. Há nesta vida
Páginas torvas que se não apagam,
Nódoas que não se lavam... se esquecê-las
De todo não é dado a quem padece...
Ao menos resta ao sonhador consolo
No imaginar dos sonhos de mancebo!

Oh! voltai uma vez! eu sofro tanto!
Meus sonhos, consolai-me! distraí-me!
Anjos das ilusões, as asas brancas
As névoas puras, que outro sol matiza.
Abri ante meus olhos que abraseiam
E lágrimas não tem que a dor do peito
Transbordem um momento...

E tu, imagem,
Ilusão de mulher, querido sonho,
Na hora derradeira, vem sentar-te,
Pensativa e saudosa no meu leito!
O que sofres? que dor desconhecida
Inunda de palor teu rosto virgem?
Por que tu'alma dobra taciturna,
Como um lírio a um bafo d'infortúnio?
Por que tão melancólica suspiras?

Ilusão, ideal, a ti meus sonhos,
Como os cantos a Deus se erguem gemendo!
Por ti meu pobre coração palpita...
Eu sofro tanto! meus exaustos dias
Não sei por que logo ao nascer manchou-os
De negra profecia um Deus irado.
Outros meu fado invejam... Que loucura!
Que valem as ridículas vaidades
De uma vida opulenta, os falsos mimos
De gente que não ama? Até o gênio
Que Deus lançou-me à doentia fronte,
Qual semente perdida num rochedo,
Tudo isso que vale, se padeço!

Nessas horas talvez em mim não pensas:
Pousas sombria a desmaiada face
Na doce mão e pendes-te sonhando
No teu mundo ideal de fantasia...
Se meu orgulho, que fraqueia agora,
Pudesse crer que ao pobre desditoso
Sagravas uma idéia, uma saudade...
Eu seria um instante venturoso!

Mas não... ali no baile fascinante,
Na alegria brutal da noite ardente,
No sorriso ebrioso e tresloucado
Daqueles homens que, pra rir um pouco,
Encobrem sob a máscara o semblante,
Tu não pensas em mim. Na tua idéia
Se minha imagem retratou-se um dia
Foi como a estrela peregrina e pálida
Sobre a face de um lago...

O LENÇO DELA

Quando, a primeira vez, da minha terra
Deixei as noites de amoroso encanto,
A minha doce amante suspirando
Volveu-me os olhos úmidos de pranto.

Um romance cantou de despedida,
Mas a saudade amortecia o canto!
Lágrimas enxugou nos olhos belos...
E deu-me o lenço que molhava o pranto.

Quantos anos, contudo, já passaram!
Não olvido porém amor tão santo!
Guardo ainda num cofre perfumado
O lenço dela que molhava o pranto...

Nunca mais a encontrei na minha vida,
Eu contudo, meu Deus, amava-a tanto!
Oh! quando eu morra estendam no meu rosto
O lenço que eu banhei também de pranto!

PANTEISMO

MEDITAÇÃO

O dia descobre a terra: a noite descortina os céus.
MARQUÊS DE MARICÁ

Eu creio, amigo, que a existência inteira
É um mistério talvez: mas n'alma sinto,
De noite e dia respirando flores,
Sentindo as brisas, recordando aromas
E esses ais que ao silêncio a sombra exala
E enchem o coração de ignota pena,
Como a íntima voz de um ser amigo...
Que essas tardes e brisas, esse mundo
Que na fronte do moço entorna flores,
Que harmonias embebem-lhe no seio,
Têm uma alma também que vive e sente...

A natureza bela e sempre virgem,
Com suas galas gentis na fresca aurora,
Com suas mágoas na tarde escura e fria...
E essa melancolia e morbideza
Que nos eflúvios do luar ressumbra,
Não é apenas uma lira muda
Onde as mãos do poeta acordam hinos
E a alma do sonhador lembranças vibra.

Por essas fibras da natura viva,
Nessas folhas e vagas, nesses astros,
Nessa mágica luz que me deslumbra
E enche de fantasia até meus sonhos,
Palpita porventura um almo sopro,
- Espírito do céu que as reanima!
E talvez lhes murmura em horas mortas
Estes sons de mistério e de saudade,
Que lá no coração repercutidos
O gênio acordam que enlanguesce e canta!

Eu o creio, Luís! também às flores
Entre o perfume vela uma alma pura,
Também o sopro dos divinos anjos
Anima essas corolas setinosas!
No murmúrio das águas no deserto,
Na voz perdida, no dolente canto
Da ave de arribação das águas verdes,
No gemido das folhas na floresta,
Nos ecos da montanha, no arruído
Das folhas secas que estremece o outono,
Há lamentos sentidos, como prantos
Que exala a pena de subida mágoa.

E Deus? - eu creio nele como a alma
Que pensa e ama nessas almas todas,
Que as ergue para o céu e que lhes verte,
Como orvalho noturno em seus ardores,
O amor, sombra do céu, reflexo puro
Da auréola das virgens de seu peito!
Essa terra, esse mundo, o céu e as ondas,
Flores, donzelas - essas almas cândidas,

Beija-as o senhor Deus na fronte límpida,
Arreia-as de pureza e amor sem nódoa...
E à flor dá a ventura das auroras,
Os amores do vento que suspira...
Ao mar a viração, o céu às aves,
Saudades à alcion, sonhos à virgem
E ao homem pensativo e taciturno,
À criatura pálida que chora
- Essa flor que ainda murcha tem perfumes,
Esse momento que suaviza os lábios,
Que eterniza na vida um céu de enleio...
O amor primeiro das donzelas tristes.

São idéias talvez... Embora riam
Homens sem alma, estéreis criaturas,
Não posso desamar as utopias,
Ouvir e amar, à noite, entre as palmeiras,
Na varanda ao luar o som das vagas,
Beijar nos lábios uma flor que murcha,
E crer em Deus como alma animadora
Que não criou somente a natureza,
Mas que ainda a relenta em seu bafejo,
Ainda influi-lhe no sequioso seio
De amor e vida a eternal centelha!
Por isso, ó meu amigo, à meia-noite
Eu deito-me na relva umedecida,
Contemplo o azul do céu, amo as estrelas,
Respiro aromas... e o arquejante peito
Parece remoçar em tanta vida,
Parece-me alentar-se em tanta mágoa,
Tanta melancolia! e nos meus sonhos,
Filho de amor e Deus, eu amo e creio!

TERZA RIMA

É belo dentre a cinza ver ardendo
Nas mãos do fumador um bom cigarro,
Sentir o fumo em névoas recendendo...

Do cachimbo alemão no louro barro
Ver a chama vermelha estremecendo
E até... perdoem... respirar-lhe o sarro!

Porém o que há mais doce nesta vida,
O que das mágoas desvanece o luto
E dá som a uma alma empobrecida,
Palavra d'honra, és tu, Ó meu charuto!

DESPEDIDAS

Se entrares, ó meu anjo, alguma vez
Na solidão onde eu sonhava em ti,
Ah! vota uma saudade aos belos dias
Que a teus joelhos pálido vivi!

Adeus, minh'alma, adeus! eu vou chorando...
Sinto o peito doer na despedida...
Sem ti o mundo é um deserto escuro
E tu és minha vida...

Só por teus olhos eu viver podia
E por teu coração amar e crer...
Em teus braços minh'alma unir à tua
E em teu seio morrer!

Mas se o fado me afasta da ventura,
Levo no coração a tua imagem...
De noite mandarei-te os meus suspiros
No murmúrio da aragem!

Quando a noite vier saudosa e pura,
Contempla a estrela do pastor nos céus,
Quando a ela eu volver o olhar em pranto...
Verei os olhos teus!

Mas antes de partir, antes que a vida,
Se afogue numa lágrima de dor,
Consente que em teus lábios num só beijo
Eu suspire de amor!

Sonhei muito! sonhei noites ardentes
Tua boca beijar... eu o primeiro!
A ventura negou-me... mesmo até
O beijo derradeiro!

Só contigo eu podia ser ditoso,
Em teus olhos sentir os lábios meus!
Eu morro de ciúme e de saudade...
Adeus, meu anjo, adeus!

EUTANASIA

Ergue-te daí, velho! ergue essa fronte onde o passado afundou suas rugas como o vendaval no
Oceano, onde a morte assombrou sua palidez como na face do cadáver, onde o simoun do
tempo ressicou os anéis louros do mancebo nas cãs alvacentas de ancião?
Por que tão lívido, ó monge taciturno, debruças a cabeça macilenta no peito que é murcho, onde
mal bate o coração sobre a cogula negra do asceta?
Escuta: a lua ergueu-se hoje mais prateada nos céus cor-de-rosa do verão, as montanhas se
azulam no crepuscular da tarde e o mar cintila seu manto azul palhetado de aljôfares. A hora da
tarde é bela, quem aí na vida lhe não sagrou uma lágrima de saudade?
Tens os olhares turvos, luzem-te baços os olhos negros nas pálpebras roxas e o beijo frio da
doença te azulou nos lábios a tinta do moribundo. E por que te abismas em fantasias profundas,
sentado à borda de um fosso aberto, sentado na pedra de um túmulo?
Por que pensá-la... a noite dos mortos, fria e trevosa como os ventos de inverno? Por que antes
não banhas tua fronte nas virações da infância, nos sonhos de moço? Sob essa estamenha não
arfa um coração que palpitara outrora por uns olhos gázeos de mulher?
Sonha!... sonha antes no passado, no passado belo e doirado em seu dossel de escarlate, em seus
mares azuis, em suas luas límpidas e suas estrelas românticas.
O velho ergueu a cabeça. Era uma fronte larga e calva, umas faces contraídas e amarelentas, uns
lábios secos, gretados, em que sobreaguava amargo sorriso, uns olhares onde a febre tresnoitava
suas insônias...
E quem to disse - que a morte é a noite escura e fria, o leito de terra úmida, a podridão e o lodo?
Quem to disse - que a morte não era mais bela que as flores sem cheiro da infância, que os
perfumes peregrinos e sem flores da adolescência? Quem to disse - que a vida não é uma
mentira? - que a morte não é o leito das trêmulas venturas?
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MINHA AMANTE

Coração de mulher, qual filomela,
É todo amor e canto ao pé da noite.
JOÃO DE LEMOS

Fulcite me floribus... quia amore langueo.
Cant. Canticorum

Ah! volta inda uma vez! foi só contigo
Que, à noite, de ventura eu desmaiava...
E só nos lábios teus eu me embebia
De volúpias divinas!

Volta, minha ventura! eu tenho sede
Desses beijos ardentes que os suspiros
Ofegando interrompem! quantas noites
Fui ditoso contigo!

E quantas vezes te embalei tremendo
Sobre os joelhos meus! Quanto amorosa
Unindo à minha tua face pálida
De amor e febre ardias!

Oh! volta inda uma vez! ergue-se a lua,
Formosa como dantes, é bem noite,
Na minha solidão brilha, de novo,
Estrela de minh'alma!

Desmaio-me de amor, descoro e tremo...
Morno suor me banha o peito langue...
Meu olhar se escurece e eu te procuro
Com os lábios sedentos!

Oh! quem pudera sempre em teus amores
Sobre teu seio perfumar seus dias,
Beijar a tua fronte e em teus cabelos
Respirar ebrioso!

És a coroa de meus anos breves,
És a corda de amor d'íntima lira,
O canto ignoto, que me enleva em sonhos
De saudosas ternuras!

E tu és como a lua: inda és mais bela,
Quando a sombra nos vales se derrama,
Astro misterioso à meia-noite
Te revela a minh'alma!


Ó! minha lira, ó viração noturna,
Flores, sombras do vale, à minha amante...
Dizei que nesta noite de desejos
E de ternuras morro!

SONETO

Já da morte o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!

Do leito embalde no macio encosto
Tento o sono reter!... já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece...
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!

O adeus, o teu adeus, minha saudade,
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade,

Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!

TRINDADE

A vida é uma planta misteriosa
Cheia d'espinhos, negra de amarguras,
Onde só abrem duas flores puras
Poesia e amor...

E a mulher... é a nota suspirosa
Que treme d'alma a corda estremecida,
É fada que nos leva além da vida
Pálidos de langor!

A poesia é a luz da mocidade,
O amor é o poema dos sentidos,
A febre dos momentos não dormidos
E o sonhar da ventura...

Voltai, sonhos de amor e de saudade!
Quero ainda sentir arder-me o sangue,
Os olhos turvos, o meu peito langue...
E morrer de ternura!

O FANTASMA

Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!...
O CÔNEGO FILIPE

O cônego Filipe! Ó nome eterno!
Cinzas ilustres que da terra escura,
Fazeis rir nos ciprestes as corujas!
Por que tão pobre lira o céu doou-me
Que não consinta meu inglório gênio
Em vasto e heróico poema decantar-te?

Voltemos ao assunto. A minha musa,
Como um falado imperador romano,
Distrai-se, às vezes, apanhando moscas.
Por estradas mais longas ando sempre:
Com o cônego ilustre me pareço,
Quando ele já sentia vir o sono,
Para poupar caminho até a vela,
Sobre a vela atirava a carapuça.
Então, no escuro, em camisola branca,
Ia apalpando procurar na sala -
Para o queijo flamengo da careca
Dos defluxos guardar - o negro saco.

À ordem, Musa! Canta agora como
O poeta Ali-Moon no harém entrando,
Como um poeta que enamora a lua,
Ou que beija uma estátua de alabastro,
Suando de calor... de sol e amores...
Cantava no alaúde enamorado!
E como ele saiu-se do namoro...
Assunto bem moral, digno de prêmio,
E interessante como um catecismo...
Que tem ares até de ladainha!

Quem não sonhou a terra do Levante?
As noites do Oriente, o mar, as brisas,
Toda aquela suave natureza
Que amorosa suspira e encanta os olhos?

Principio no harém. Não é tão novo...
Mas esta vida é sempre deleitosa.
As almas d'homem ao harém se voltam...
Ser um dia sultão quem não deseja?

Quem não quisera das sombrias folhas
Nas horas do calor, junto do lago,
As odaliscas espreitar no banho
E mais bela a sultana entre as formosas?

Mas ah! o plágio nem perdão merece!
Digam - pega ladrão! Confesso o crime:
Não é Ovídio só que imito e sonho,
Quando pinta Acteon fitando os olhos
Nas formas nuas de Diana virgem!
Não! embora eu aqui não fale em ninfas,
Essa idéia é do cônego Filipe!

MEU SONHO

EU
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sanguenta na mão?
Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?

Cavaleiro, quem és? - O remorso?
Do corcel te debruças no dorso...
E galopas do vale através...
Oh! da estrada acordando as poeiras
Não escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?

Onde vais pelas trevas impuras,
Cavaleiro das armas escuras,
Macilento qual morto na tumba?...
Tu escutas... Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vingança retumba?

Cavaleiro, quem és? que mistério...
Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?

LEMBRANCA DOS QUINZE ANOS

Et pourtant sans plaisir je dépense la vie;
Et souvent quand, pour moi, les heures de la nuit
S'écoulent sans sommeil, sans songes, sans bruit,
Il passe dans mon coeur de brillantes pensées,
D'invincibles désirs, de fougues insensées!
CH. DOVALLE

... Heureux qui, dès les premiers ans,
A senti de son sang, dans ses veines stagnantes,
Couler d'un pas égal les ondes languissantes;
Dont les désirs jamais n'ont troublé la raison;
Pour qui les yeux n'ont point de suave poison.
ANDRÉ CHÉNIER

Nos meus quinze anos eu sofria tanto!
Agora enfim meu padecer descansa...
Minh'alma emudeceu, na noite dela
Adormeceu a pálida esperança!

Já não sinto ambições e se esvaíram
As vagas formas, a visão confusa
De meus dias de amor, nem doces voltam
Os sons aéreos da divina Musa!

Porventura é melhor as brandas fibras
Embotadas sentir nessa dormência...
E viver esta vida... e na modorra
Repousar-se na sombra da existência!

E que noites de sôfrego desejo!
Que pressentir de uma volúpia ardente!
Que noites de esperança e desespero!
E que fogo no sangue incandescente!

Minh'alma juvenil era uma lira
Que ao menor bafejar estremecia...
A triste decepção rompeu-lhe as cordas...
Só vibra num prelúdio d'agonia!

Quanto, quanto sonhei! como velava
Cheio de febre, ansioso de ternuras!
Como era virgem o meu lábio ardente!
A alma tão santa! as emoções tão puras!

Como o peito sedento palpitava
Ao roçar de um vestido, à voz divina
De uma pálida virgem! ao murmúrio
De uns passos de mulher pela campina!

E como t'esperei, anjo dos sonhos,
Ideal de mulher que me sorrias,
E me beijando nesta fronte pálida
A um mundo belo de ilusões me erguias!

O meu peito era um eco de murmúrios...
De delírio vivi como os insanos!
Nos meus quinze anos eu sofria tanto!
Ardi ao fogo dos primeiros anos!

Agora vivo no deserto d'alma...
Um mundo de saudade ali dormita...
Não o quero acordar... oh! não ressurjam
Aquelas sombras na minh'alma aflita!

Mas por que volves os teus olhos negros
Tão langues sobre mim? Ilná, suspiras?
Por que derramas tanto amor nos olhos?
Eu não posso te amar e tu deliras.

Também a aurora tem neblina e sombras,
E há vozes que emudece a desventura,
Há flores em botão que se desfolham,
E a alma também morre prematura.

Repousa no meu peito o meu passado,
Minh'alma adormeceu por um momento...
Sou a flor sem perfume em sol d'inverno...
Uma lousa que encerra? - o esquecimento!...

Não me fales de amor... um teu suspiro
Tantos sonhos no peito me desperta!...
Sinto-me reviver e como outrora
Beijo tremendo uma visão incerta...

Ah! quando as belas esperanças murcham
E o gênio dorme e a vida desencanta,
D'almas estéreis a ironia amarga
E a morte sobre os sonhos se levanta...

Embora fundo o sono do descrido
E o silêncio do peito e seu retiro...
Inda pode inflamar muitos amores
O sussurro de um lânguido suspiro!

SONETO

Os quinze anos de uma alma transparente,
O cabelo castanho, a face pura,
Uns olhos onde pinta-se a candura
De um coração que dorme, inda inocente...

Um seio que estremece de repente
Do mimoso vestido na brancura...
A linda mão na mágica cintura...
E uma voz que inebria docemente...

Um sorrir tão angélico, tão santo...
E nos olhos azuis cheios de vida
Lânguido véu de involuntário pranto...

É esse o talismã, é essa a Armida,
O condão de meus últimos encantos,
A visão de minh'alma distraída!

LAGRIMAS DA VIDA

On pouvait à vingt ans le clouer dans la bière
- Cadavre sans illusions...
THÉOPH. GAUTIER

Je me suis assis en blasphémant sur le bord
du chemin. Et je me suis dit: - je n'irai pas plus
loin. Mais je suis bien jeune encore pour mourir,
n'est-ce pas, Jane?
GEORGE SAND, Aldo

Se tu souberas que lembrança amarga
Que pensamento desflorou meus dias,
Oh! tu não creras meu sorrir leviano,
Nem minhas insensatas alegrias!

Quando junto de ti eu sinto, às vezes,
Em doce enleio desvairar-me o siso,
Nos meus olhos incertos sinto lágrimas...
Mas da lágrima em troco eu temo um riso!

O meu peito era um templo - ergui nas aras
Tua imagem que a sombra perfumava...
Mas ah! emurcheceste as minhas flores!
Apagaste a ilusão que o aviventava!

E por te amar, por teu desdém, perdi-me...
Tresnoitei-me nas orgias macilento,
Brindei blasfemo ao vício e da minh'alma
Tentei me suicidar no esquecimento!

Como um corcel abate-se na sombra,
A minha crença agoniza e desespera...
O peito e lira se estalaram juntos...
E morro sem ter tido primavera!

Como o perfume de uma flor aberta
Da manhã entre as nuvens se mistura,
A minh'alma podia em teus amores
Como um anjo de Deus sonhar ventura!

Não peço o teu amor... eu quero apenas
A flor que beijas para a ter no seio...
E teus cabelos respirar medroso...
E a teus joelhos suspirar d'enleio!

E quando eu durmo... e o coração ainda
Procura na ilusão tua lembrança,
Anjo da vida passa nos meus sonhos
E meus lábios orvalha d'esperança!

FANTASIA

Quanti dolci pensier, quanto disio!
DANTE

C'est alors que ma voix
Murmure un nom tout bas... c'est alors que je vois
M'apparaître à demi, jeune, voluptueuse,
Sur ma couche penchée une femme amoureuse!
Oh! toi que j'ai rêvée,
Femme à mes longs baisers si souvent enlevée,
Ne viendras-tu jamais? ..
CH. DOVALLE

À noite sonhei contigo...
E o sonho cruel maldigo
Que me deu tanta ventura.
Uma estrelinha que vaga
Em céu de inverno e se apaga
Faz a noite mais escura!

Eu sonhava que sentia
Tua voz que estremecia
Nos meus beijos se afogar!
Que teu rosto descorava
E teu seio palpitava
E eu te via a desmaiar!

Que eu te beijava tremendo,
Que teu rosto enfebrecendo
Desmaiava a palidez!
Tanto amor tua alma enchia
E tanto fogo morria
Dos olhos na languidez!

E depois... dos meus abraços,
Tu caíste, abrindo os braços,
Gélida, dos lábios meus...
Tu parecias dormir,
Mas debalde eu quis ouvir
O alento dos seios teus...

E uma voz, uma harmonia
No teu lábio que dormia
Desconhecida acordou,
Falava em tanta ventura,
Tantas notas de ternura
No meu peito derramou!

O soído harmonioso
Falava em noites de gozo
Como nunca eu as senti.
Tinha músicas suaves,
Como no canto das aves,
De manhã eu nunca ouvi!

Parecia que no peito
Nesse quebranto desfeito
Se esvaía o coração...
Que meu olhar se apagava,
Que minhas veias paravam
E eu morria de paixão...

E depois... num santuário
Junto do altar solitário
Perto de ti me senti,
Dormias junto de mim...
E um anjo nos disse assim:
"Pobres amantes, dormi!"

Tu eras inda mais bela...
O teu leito de donzela
Era coberto de flores...
Tua fronte empalecida,
Frouxa a pálpebra descida,
Meu Deus! que frio palor!...

Dei-te um beijo... despertaste,
Teus cabelos afastaste,
Fitando os olhos em mim...
Que doce olhar de ternura!
Eu só queria a ventura
De um olhar suave assim!

Eu dei-te um beijo, sorrindo
Tremeste os lábios abrindo,
Repousaste ao peito meu...
E senti nuvens cheirosas,
Ouvi liras suspirarem,
Rompeu-se a névoa... era o céu!

Caía chuva de flores
E luminosos vapores
Davam azulada luz...
E eu acordei... que delírio!
Eu sonho findo o martírio
E acordo pregado à cruz!